quinta-feira, 9 de abril de 2009

Nem só de pão vive o homem

Recebi hoje este texto e achei a ideia o máximo. Sei de mais gente que vai gostar, por isso estou postando aqui. Se mais gente tivesse ideias como esta...

Fica como ideia e presente de páscoa.



Vale mais que um trocado

Ambulantes, pedintes e moradores de rua não esperam só por dinheiro dos motoristas parados no sinal vermelho. Sem pagar pra ver, eu vi

Rodrigo Ratier (rodrigo.ratier@abril.com.br)

Foto: Rogério Albuquerque

CAMINHO LIVRE A cada livro oferecido em vez
de esmola, um leitor descoberto.

Foto: Rogério Albuquerque.

"Dinheiro eu não tenho, mas estou aqui com uma caixa cheia de livros. Quer um?" Repeti essa oferta a pedintes, artistas circenses e vendedores ambulantes, pessoas de todas as idades que fazem dos congestionamentos da cidade de São Paulo o cenário de seu ganha-pão. A ideia surgiu de uma combinação com os colegas de NOVA ESCOLA: em vez de dinheiro, eu ofereceria um livro a quem me abordasse - e conferiria as reações.

Para começar, acomodei 45 obras variadas - do clássico Auto da Barca do Inferno, escrito por Gil Vicente, ao infantil divertidíssimo Divina Albertina, da contemporânea Christine Davenier - em uma caixa de papelão no banco do carona de meu Palio preto. Tudo pronto, hora de rodar. Em 13 oferecimentos, nenhuma recusa. E houve gente que pediu mais.

Nas ruas, tem de tudo. Diferentemente do que se pode pensar, a maioria dessas pessoas tem, sim, alguma formação escolar. Uma pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, realizada só com moradores de rua e divulgada em 2008, revelou que apenas 15% nunca estudaram. Como 74% afirmam ter sido alfabetizados, não é exagero dizer que as vias públicas são um terreno fértil para a leitura. Notei até certa familiaridade com o tema. No primeiro dia, num cruzamento do Itaim, um bairro nobre, encontrei Vitor*, 20 anos, vendedor de balas. Assim que comecei a falar, ele projetou a cabeça para dentro do veículo e examinou o acervo:

- Tem aí algum do Sidney Sheldon? Era o que eu mais curtia quando estava na cadeia. Foi lá que aprendi a ler.

Na ausência do célebre novelista americano, o critério de seleção se tornou mais simples. Vitor pegou o exemplar mais grosso da caixa e aproveitou para escolher outro - "Esse do castelo, que deve ser de mistério" - para presentear a mulher que o esperava na calçada.

Aos poucos, fui percebendo que o público mais crítico era formado por jovens, como Micaela*, 15 anos. Ela é parte do contingente de 2 mil ambulantes que batem ponto nos semáforos da cidade, de acordo com números da prefeitura de São Paulo. Num domingo, enfrentava com paçocas a 1 real uma concorrência que apinhava todos os cruzamentos da avenida Tiradentes, no centro. Fiz a pergunta de sempre. E ela respondeu:

- Hum, depende do livro. Tem algum de literatura?, provocou, antes de se decidir por Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

As crianças faziam festa (um dado vergonhoso: segundo a Prefeitura, ainda existem 1,8 mil delas nas ruas de São Paulo). Por estarem sempre acompanhadas, minha coleção diminuía a cada um desses encontros do acaso. Érico*, 9 anos, chegou com ar desconfiado pelo lado do passageiro:

- Sabe ler?, perguntei.

- Não..., disse ele, enquanto olhava a caixa. Mas, já prevendo o que poderia ganhar, reformulou a resposta:

- Sim. Sei, sim.

- Em que ano você está?

- Na 4ª B. Tio, você pode dar um para mim e outros para meus amigos?, indagou, apontando para um menino e uma menina, que já se aproximavam.

Mas o problema, como canta Paulinho da Viola, é que o sinal ia abrir. O motorista do carro da frente, indiferente à corrida desenfreada do trio, arrancou pela avenida Brasil, levando embora a mercadoria pendurada no retrovisor.

Se no momento das entregas que eu realizava se misturavam humor, drama, aventura e certo suspense, observar a reação das pessoas depois de presenteadas era como reler um livro que fica mais saboroso a cada leitura. Esquina após esquina, o enredo se repetia: enquanto eu esperava o sinal abrir, adultos e crianças, sentados no meio-fio, folheavam páginas. Pareciam se esquecer dos produtos, dos malabares, do dinheiro...

- Ganhar um livro é sempre bem-vindo. A literatura é maravilhosa, explicou, com sensibilidade, um vendedor de raquetes que dão choques em insetos.

Quase chegando ao fim da jornada literária, conheci Maria*. Carregava a pequena Vitória*, 1 ano recém-completado, e cobiçava alguns trocados num canteiro da Zona Norte da cidade. Ganhou um livro infantil e agradeceu. Avancei dois quarteirões e fiz o retorno. Então, a vi novamente. Ela lia para a menininha no colo. Espremi os olhos para tentar ver seu semblante pelo retrovisor. Acho que sorria.

* os nomes foram trocados para preservar os personagens.

http://revistaescola.abril.uol.com.br/gestao-escolar/diretor/vale-mais-trocado-432764.shtml

22 comentários:

Georgio Rios disse...

É uma boa alternativa.A felicidade não estar atrelada exclusivamente ao dinheiro.Boa!!!

gloria disse...

Que gesto contundente! essa situação me evocou as ações do poeta gentiliza. Não sei se já te falei, estou secretaria de direitos humanos da prefeitura de Fortaleza e pensei em replicar essa ação por aqui. Vou entrar no site e apresentar na nossa próxima reunião essa experiëncia. parabéns, bjs.

San disse...

excelente ideia! quando dei aulas na prisão o que levava aos que não tinham família nem visitas eram livros e camisas de homem, recolhidos entre amigos. no final desse ano, na despedida, ofereceram-me uma belíssima Encyclopedia of Literature da Merriam-Webster que se recusaram a explicar como haviam obtido...

Unknown disse...

Aqui em Brasília umas pessoas organizaram umas bibliotecas nas paradas de ônibus. Os livros ficam lá, livres. Cada um pega e deposita o que quer.

À noite, quando se passa por algumas dessas paradas em locais propícios, vê-se algumas prostitutas lendo tranquilamente enquanto esperam por seus clientes.

Juliana Vermelho Martins disse...

Isso só mostra o quanto os clichês são questionáveis! Eu me arrepiei quando li!

E já ouvi falar dessa experiência de Brasília. Podia ser repetida em Curitiba!

Aline Cabral Vaz disse...

Oi Marie! quanto tempo!
adorei a matéria, vou separar alguns livros e outras coisas diferentes pra deixar no carro. Geralmente, quando saio de uma pizzaria, por exemplo, entrego uma fatia na quentinha pro guardador de carro, em vez de um real.

Nelida Capela disse...

Marie: fiz um link para teu blog e a matéria no blog coletivo TMS-Tecnologia e Mobilização Social. Fantástica a iniciativa, não é mesmo. Prova que as pessoas gostam de ler, só lhes falta acesso aos livros.

compoteira disse...

adorei e copiei na compoteira pra propagar.
acrescentei uma historinha a tua msn.
beijocas

Unknown disse...

Marie, ouvi uma entrevista do idealizador dessa empreitada no programa 'voê é curioso?' da rádio banderiantes de SP. Achei incrível, incrível! Parabéns por divulgar! Quem sabe mais e mais pessoas comprem essa ideia, né?!
Beijocas!

Bípede Falante disse...

Marie, por onde você anda? Está tudo bem?

San disse...

Marie?

Unknown disse...

Maaaaaaaaaaaaaaaaaarie?!

Silvestre Gavinha disse...

Gentes, uma luz parece brilhar novamente.... hehehe.... acho que estou chegando na metade do túnel.
Santo Antônio se aproxima e eu tento voltar o contato com minha parte abandonada.Hihihi.

Obrigada a todos pelos comentários e chamados. É bom saber-se mancante a pessoas que consideramos. (Gente boa da melhor qualidade).
Gosto muito de vocês
Marie

Bípede Falante disse...

Que bom saber que você está retornando!

Batom e poesias disse...

Eu venho e venho e venho aqui...
E não encontro mais a Marie...

Rossana

Bípede Falante disse...

Marie, volta menina! A gente tá te esperando.

Aline Cabral Vaz disse...

Alô Marie! cadê você? Eu vim aqui só pra te ler!

(adorei teus últimos comentários)

M. disse...

Obrigada por sua visita. Estou com tantas saudades de você, de te ler. Beijos, M.

Thainá Rocha da Silva disse...

Nossa, mas que idéia maravilhosa!!! Gostei muito mesmo!

Karla Santos disse...

Marie, sumida, como te acho?
Acabo de descobrir uma novidade que vai mudar a minha vida (aos 38 anos) e tenho muitas perguntas pra te fazer? :-)

Passa lá no meu cafofo?!

beijos,

Karla

Bípede Falante disse...

Marie, você tem de voltar!!!

San disse...

Volta depressa, Marie!