terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Um crime de presente

As lâmpadas estavam enfiadas formando  V cujo vértice encontrava-se em algum lugar no fundo do latão de lixo suspenso.
Somente chegando bem próximo foi que ela conseguiu ver que se tratava de quatro lâmpadas fluorescentes colocadas duas a duas.  De longe, no escuro, ela olhou e achou que pareciam pernas de alguém que tivesse maldosamente sido enfiado ali. Um manequim ou uma boneca.  O efeito era um pouco macabro e engraçado.
Lembrou do pedido de sugestões de como se livrar de um corpo fruto de assassinato, feito pelo novo amigo distante. Para um crime longe de perfeito, uma maneira inusitada.
Poderia funcionar.
Dependendo do tom que se quisesse dar à história.
E lembrou também, na continuidade, da receita antiga, de Clarice Lispector,  para se livrar das baratas de forma asséptica: servir-lhes uma mistura de partes iguais de açúcar e gesso. Ao entrar em contato com o líquido do sistema digestivo das pequenas bestas, a deliciosa refeição endurece e petrifica.  Mostrando " duas vantagens: alem de acabar com elas de forma limpa e indolor, transforma-as em pequeninas estatuetas que podem ser usadas na decoração. "
Claro que com um corpo humano não seria tão fácil assim. Pensou então outras alternativas.
Lembrou de um filme muito antigo, The Mystery of the Wax Museum de 1933,  onde o vilão submergia as vítimas num banho de parafina quente, depois as imortalizava como personagens universais, em seu Museu de Cêra.
Modernamente podia utilizar resina.  Ela já tinha inclusive lido sobre os passos básicos da plastinizaçāo, o método usado por aquele homenzinho maluco e polêmico, agora mundialmente famoso, na arte de conservaçāo de cadáveres humanos em prol da ciência e da arte.
Para jogar o corpo no lixo, parecendo um manequim velho, não precisaria nenhum refinamento do processo. Bastaria uma banheira de formol, seguida de acetona por uns dias e depois outra de resina e um varal forte o bastante.
Vistas de longe, no escuro, "as pernas" pareciam as de uma mulher magrinha, ou melhor, magérrima, de estatura média/baixa. Sabia até quem se encaixava direitinho no perfil. Aquela secretária antipática da tesouraria do hospital.  Faltava apenas um motivo melhor que o fato de ela ser enxerida, invejosa e implicante.
É. É isso.  Falta apenas um motivo interessante.
Pronto.
Com quase todos os ingredientes, já tem um projeto e a história de um crime.
Um enredo policial.
Uma  desculpa para começar o ano de uma maneira diferente.
Perpetrando um crime, absurdo, irreverente.
Com ambições literárias.






 Photo date: 1933 Lionel Atwill, Fay Wray, MYSTERY OF THE WAX MUSEUM, THE, Warner Bros., 1933, **I.V. - Image courtesy mptvimages.com



PS. Terráqueo um presente sempre atrai outro, não igual, mas recíproco. E você foi um presente de outro presente. Fomos "dados" pela Bípede. Como é delicioso esse nosso mundinho redondo numa volta ou outra. Isso nos mantem girando. Quando não, nada que um samovar de vinho, não resolva.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Novos e lindos aninhos a nossa espera sempre

Emprestado do Blog da Bípede sem permissão expressa.

FELIZ NATAL E FELIZ 2010


Prá o Natal e prá o Ano

Recebi da amiga da Lud, descaradamente e sem pedir licença, emprestei.


Por que já é dia 24 e eu ainda preciso de um dia 22 e outro 23 para dar conta de tudo. 
Por que com uma mão só, sou muito lerda.
Para os meus amigos daqui, de lá e de acolá. Talvez mudasse algo, mas gostei imenso e mesmo não sendo meu, vou compartilhar.


Lud, obrigada.


Queridos meus,  FELIZ NATAL!!! Do jeito que der e vier.

 


Quero ser grata todo dia pela vida que tenho. E ser digna e merecedora dela. E de perdão. Quero saber perdoar e deixar ir. Quero continuar amando e acreditando no amor. Quero ter saúde pra corresponder ao que meu espírito deseja realizar. Quero ser melhor a cada dia, resolvendo, uma a uma, as questões que preciso. Que eu tenha sabedoria para lidar com as pessoas e situações fazendo as melhores escolhas e o melhor uso das palavras. E que estas não sejam em vão. Que minha voz revele a todos o que melhor eu possa. E sejam palavras de fé, força e verdade. Que eu tenha atitude e faça acontecer. Que eu possa caminhar progredindo passo a passo e que durante esse trajeto eu promova e espalhe o bem, admirando o belo e me espelhando no bom. Que eu compartilhe o que tenho de melhor, sendo solidária e compreensiva. Que eu aceite o outro e me aceite primeiro, com tudo o que sou. Que eu seja sempre minha melhor companhia e faça coisas que me engrandeçam. Que eu reconheça o tempo de ir e o de ficar, de avançar e recuar. Que eu tenha clareza e presença de espírito. Que meu olhar diga mais do que qualquer som pronunciado. Que eu me conheça e me reconheça. E não me perca de mim. Que eu continue buscando a medida mágica para manter o equilíbrio. Que eu possa ajudar cada vez mais pessoas. E continue a ser fiel a tudo em que acredito. E a todos que amo.
Lud

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Tanto amor





Sábado pela manhã, enquanto tomava meu café e lia meus e-mails recebi esta imagem de uma amiga que recebeu de um amigo.
Ambos são patologistas e ganham a vida vendo, analisando e diagnosticando imagens de doença e morte.
Nesta manhã, de presente, ele encontrou essa imagem. Mandou para ela que encaminhou para outros amigos entre os quais me encontro.
Brinquei com ela perguntando se eram histiócitos fazendo uma declaração de amor ou um câncer dizendo que só o amor te salva.
Ela riu e prontamente respondeu que, com efeito,  trata-se de um carcinoma ductal mamário - o material do centro é necrose - esse é o tal do comedocarcinoma ruim pra kct.
E lá estava a imagem tão bonitinha, de um câncer de mama assumindo a forma do coração em cartão postal do Dia dos Namorados.
A morte assume estranhas formas.
A vida também.
Normalmente escolhemos qual queremos ver.
Não pensamos nisso.
Não gostamos de pensar.
Deveríamos.
Os cientistas dizem que os cânceres são causados,  na sua maioria,  por grandes traumas sofridos.
Na minha prática médica normalmente encontro também essa relação.
A dor extrema sofrida e não metabolizada, causa uma morte dentro de nós.
Essa morte cedo ou tarde, se manifesta em alguma parte do organismo.
A dizer-nos: "decifra-me ou te devoro".
Muitos amores na nossa vida fazem o mesmo.
São os desencadeantes do trauma que origina o tumor.
Que vem duramente nos dizer que devemos aprender a amar a vida.
Tantos andamos morrendo por aí.
Tantos outros matando. Matando-se.
E um patologista ao ver o resultado encontra uma declaração de amor à vida.

Foto: comedocarcinoma - carcinoma ductal de mama. Clóvis Klock

sábado, 5 de dezembro de 2009

Sonho

Os pés dos negros jaziam amontoados num grande altar
separados em camadas por folhas de tecido branco como papel.
Pareciam gravetos de árvores milenares que estivessem empilhados
de forma ritual para fazer  o papel.
O altar era uma grande pira construída no meio do enorme páteo,
atrás da casa branca e moderna.
O páteo mais baixo, visto da rua, parece um grande altar,
ou um pavilão de festas.

Em frente a imensa pira crematória dos corpos negros imolados
em direção poente, havia um grande painel com imagens gigantes da luta
entre eles e os brancos, loiros, nórdicos.

A atmosfera era solene e em tudo pairava uma névoa de intenso pesar.
As almas choravam a dor de toda a humanidade perdida.

A menina passou no sonho e acordou com o peso de tudo em sua pequena alma.