terça-feira, 5 de janeiro de 2010

MEGA SENA




O tempo todo a TV anunciando a última edição do ano da Mega Sena, o maior prêmio acumulado nos últimos não sei quantos anos.
O notíciário mostrando as filas imensas das pessoas nas casas lotéricas.
Todo mundo louco para fazer a sua fézinha.
Quem sabe dessa vez dava.
Quem sabe dessa vez o pé saía da lama e entrava o Ano Novo sambando de alegria e de sapato novo também.

Ela levantou-se de onde estava e desligou a TV.
Foi para o quarto sem falar com ninguém e nem dar bola para a reclamação dos que estavam em volta.
Ela não tinha jogado.
Nem nunca iria.

No quarto, sozinha, lembrou de quando também tinha esse sonho.
Ganhar na Mega Sena, mudar de vida.
Mesmo antes ela não jogava.
Nunca tinha tempo.
Trabalhava invariavelmente em, pelo menos, dois hospitais.
Num fazia plantão noturno, no esquema de 12/36h.
No outro, trabalhava todos os dias a partir do meio-dia, turno de 6h.
Uma manhã sim, uma não, tinha algum tempo para fazer as coisas da casa, ver como andavam as crianças, resolver problemas na escola, ver as roupas que usavam.

O marido, nem encontrava a maior parte do tempo.
Ultimamente sim. Desde que ele perdera novamente o emprego.
Mas nem valia a pena.
Já não tinham mais quase nada em comum.
Ele reclamava que ela estava sempre cansada e apressada.
Ela reclamava que ele, que agora tinha mais tempo, podia,  mas não ajudava em nada.
Só se acertavam em concluir que tudo estava difícil, que o dinheiro não dava. Que estava tudo mais apertado.

Decidiu então que mais uma vez, pediria para ser demitida do emprego noturno.
Jurou que seria a última vez.
Trabalhava há tanto tempo ali.
O Administrador e Presidente do hospital a conhecia desde menina.
Sabia o quanto ela valia o pequeno salário que recebia.
Daria valor. Não iria querer perdê-la.
Principalmente nos plantões dele que eram os mais movimentados.
Parece que trazia paciente de caminhão para operar.
Passava a noite inteira operando. Ninguém tinha sossego ou descanso.
Até ele mesmo ajudava a tirar paciente da mesa, a puxar maca, a buscar material e preparar as salas.
Ela nunca reclamava, sempre trabalhava de bom humor.

Mas os tempos estavam difíceis para todos e ele não queria fazer o acordo.
Ultimamente o ministério do trabalho andava de olho em tudo.
Se fizesse acordo com ela acabaria tendo que fazer com outras também.
Muita coisa estava em risco.
Mas ela precisava, ele sabia.
Acabou, a contragosto, concordando.

Ela pegou todo o dinheiro naquela manhã e antes de ir para o outro trabalho, foi em casa ver como distribuiria a pequena soma.
Antes tinha que passar no açougue e na venda pagar a conta atrasada, deixar a comida em casa para as mais velhas prepararem e tomar um banhozinho rápido.
O banho foi frio. Já tinham cortado a luz, também atrasada no pagamento.

Por sorte encontrou o marido quando já estava saindo. Deu-lhe as últimas cédulas para que pagasse tudo e mais o religamento.
Saiu com os bolsos vazios e a cabeça cheia de preocupação. Ia ter que se virar até chegar o pagamento do outro hospital.

Ele foi para o outro lado. Como tinha que pedir o religamento, ia pagar na lotérica próxima ao terminal da companhia de Luz. Matava dois coelhos.

Saiu da companhia ainda com um troquinho no bolso.
Reparou no cartaz da Mega. Tava acumulada novamente.
13 milhões. Ô numerozinho mais chamativo.
Até irritava.
Aposta mínima, um real e cincoenta centavos.
Nem olhou direito. Jogou os mesmos números de sempre. Um dia dava.
Ainda sobrou pra um copinho, que ninguém é de ferro.
E voltou para casa, que naquele dia não adiantava mais procurar emprego.

Ela continuou na sua rotina. Sem final de semana, sem descanso. Empurrando o aperto para o próximo mês.
Fazia o "samba do crioulo doido". Hoje pagava aqui, amanhã ali.
Se Deus quizesse o marido logo arranjaria outro emprego o que a deixaria mais aliviada por alguns meses.
Na segunda feira, chegou do plantão e foi logo dormir. Estava morta.
Domingo mais triste esses com lua-cheia. A semana já começa acabada. Não sobra ânimo.
Acordou logo depois do que pareciam minutos e já estava se arrumando para o outro trabalho.
O marido não apareceu.
Nem pra almoçar.
Será que tinha arrumado emprego??

Quando voltou à noite viu a casa toda iluminada. Uma balbúrdia.
O pequeno correu para seu pescoço de tão feliz.
O sonho dela tinha acontecido com o marido.
Ele tinha ganho sozinho.
13 MILHÕES!!!
Meu Deus!! Nem podia ser verdade.
E já tava todo mundo lá.
Todo mundo já sabia.
Ela não precisava mais trabalhar.
Ela ia virar madame.
Iam comprar carro, mudar de casa, trocar os piá de escola.
Ela podia ficar em casa cuidando dos filhos.
Ela não precisaria mais trabalhar nem sair.
Só para caminhar na ciclovia, fazer exercício. Consultar médico bacana.
Fazer plástica.
Recuperar tudo o que tinha perdido.
O tempo com a família.
A beleza. Os anos.
Se livrar de todos aqueles quilos a mais, de comida ruim mal comida.
Foi em seus empregos se despedir.
Agora só ia voltar ali como paciente. Já tinha falado com o Dr Fulano.
Ia fazer tudo junto. Tirar o útero, plastica de abdomen, redução de mama.
Contratar massagem, comprar as cintas.
Mudar o guarda roupa.
Jogar tudo fora.
Nova casa tudo novo.
Casa enorme, em rua de rico.

E o marido, de carro novo, desaparecia.
Contratou uma empregada e só vinha pra janta. Quando vinha.
O dia inteiro passava fora.
Perto, nem chegava. Mesmo porque ela tinha que se recuperar das cirurgias.
Passava os dias sozinha.
Todas as TVs estavam ocupadas passando os programas preferidos de cada filho.
Ela já tinha enjoado de todos os programas.
Nem sabia mexer direito nos controles.

Suas amigas nunca mais encontrava. Todas trabalhavam.
Mas a casa vivia cheia.
Sogra, parentes, gente que ela parecia nem conhecer.

No começo, depois das cirurgias, ficava muito no quarto.
Foi melhorando. Mas continuou lá.
Não tinha vontade de sair. Não se sentia bem em sua casa.
Aos poucos foi se interando do que acontecia.
O marido tinha outra mulher.
Mais nova que ela, claro.
Já estava com essa há muito tempo.  Antes de acertar a Sena.
Ela conhecia seus filhos e se dava bem com eles.
Se dava bem com a sogra.
Tinha uma casa igual ou maior que a dela.
Tinha um carro novo e sabia dirigir.
Ia a festas, frequentava. Tinha uma porção de amigos.

Quis reclamar com o marido que não fez muito caso.
Se ela quisesse, podia ir embora. Voltar para sua vidinha "sem graça" de só trabalhar.
Ele não queria isso. Achava que era justo que ela tivesse uma vida mais sossegada.
Mas se ela não quisesse, podia ir embora.
Ela era dona da vida dela.
Ele era dono do resto.
Os filhos podiam escolher.
Tinha certeza que ela podia realugar o barraco onde moraram.
E que ela conseguiria pagar o aluguel e viver tranquila com o salário que tinha antes.
Mas se aceitasse tudo o que já estava acertado, teria uma vida sem trabalho.
Ele não iria mandá-la embora.
Nem impedir que fosse.
Ficasse e seria conforme a lei do dinheiro dele.
Vida boa e farta. De mulher de bem. Cuidando dos filhos.
Com todo aquela casa só para aproveitar.

Ela tentou ligar para as ex-amigas. Queria se aconselhar.
Mas as coitadas tinham que trabalhar. Correr atrás do pão de cada dia.
Ela tava com a vida ganha. Elas não.
As "novas amigas" ela não conhecia.
A gente, depois que ganha tanto dinheiro assim, não tem mais amigos.
A gente até desconfia de todos.
As vizinhas ela não conhecia

Visitou alguns médicos.
Conhecidos seus.
Com alguns teve vergonha.
Com outros tentou se abrir.
Todos a aconselharam a procurar psicólogo, advogado, seus direitos.
Ela só queria a sua família. Aquela por quem tinha trabalhado tanto para manter.
Não podia tirar o pai cheio de dinheiro dos filhos.
Não podia tirar dele o direito de viver como quisesse.
Ela tinha sido boba.
Tinha sido cega.
Tinha pensado só em dinheiro.
Só em trabalhar.
Era justo que ele procurasse alguém que desse atenção que ele merecia.

O sonho virou uma gaiola dourada.
Ela um pássaro sem voz.
Dinheiro não lhe trouxe a felicidade.
Antes ele nunca tivesse jogado.
Ela nunca vai jogar.

O ouro é para os tolos.
Ela só queria a sua vida de volta.
Isso, a Mega Sena super acumulada nunca vai trazer.

Foto: ,

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

"A hora do encontro é também despedida"



Não fiz retrospectiva e nem tão pouco carta de intenções.
Fiz sim, alguns esboços de movimentos de mudança e iniciativa.
Termino o ano obrigada a me submeter a algumas "verdades" a meu próprio respeito.
Obrigada a operar o meu braço esquerdo a despeito da cirurgia do direito (há 8 anos) não ter sido exatamente um sucesso.
Sem ter conseguido ler os 50 livros do desafio da Confraria em que entrei. Devo ter iniciado um número próximo,  mas,  como sempre, sigo a lê-los todos juntos.
Não corri São Silvestre, nem nenhuma outra prova legal desde junho e minha  quase fratura de stress nas duas tíbias, e quase meu pior tempo de Maratona na do Rio de Janeiro.
Mas inicio 2010 cheia de esperança de encontrar e cumprir novos desafios.
Assumindo um novo Serviço.
Decidida a acabar com minha deficiência visual decorrente do excesso de anos vistos e vividos.
Inscrita num novo curso, numa Universidade em outra cidade.
Uma série de promessas...

Todas brilhando no horizonte desse Novo Ano, que nasce colorido e cheio de força de sorrisos e olhares desses lindos seres que povoam nossas vidas.