sexta-feira, 27 de março de 2009

Deslize


Acordou como se tivesse deitado na sexta feira e apagado o final de semana.
Não pela quantidade de sono dormido.
Pela nulidade de tudo.
A manhã, cinza, recepcionou-a, fria.
A emoção não chegou aos poros do dia.
O dia não coadunou com a ausência de sinais.
Nem o sol, quando atravessou a pesada cortina da vida, trouxe-lhe algum calor.
Nenhum doce afago encostou ser ser.
Como um robô destemperado, saculejou as vértebras e as juntas para fora do leito, duma maciez hipócrita e mentirosa.
Procurou em vão, suas conexões.
Todas partidas.
A fuga generalizada dos sentidos de dentro e de fora.
O chão não a sustenta.
Paira irrevogável no intervalo da personagem.
Engole em seco o gosto mofado dos verões e primaveras perdidos.
Anseia pelo mar.
Pela areia fria e molhada lhe envolvendo os pés, devolvendo seu andar ao ritmo de marés pontuais.

Foto: Gold Cost-Austrália por André Ambrosio

quarta-feira, 11 de março de 2009

Confeccionário


Não ando em mim.
Melhor, dizer a verdade: ando.
Apertada, encolhida em alguma parte que não sei onde.
Perambulo, em algum exílio dentro deste corpo que se amotinou.
Não fui correr.
Não consigo me disciplinar.
Meu atraso crônico agora me alcança.
Não consigo chegar em mim.
Não consigo sair de mim.
Ando pendurada pelo trapézio direito.
Sonho, e pela manhã, o travesserio não solta o gancho de meu ombro.
Meu pescoço pesa uma tonelada e abigorna minha cabeça.
Sou uma miríade de pedaços doloridos e desencontrados.
Roubo prazer e desperdiço nos desencontros de minha carne.
Os sentidos esbarram nos músculos contraídos.
As sensações se perdem no labirinto "circunvoluntário" do cérebro.
A noz do universo particular quebrada e sêca.
A nova ortografia em pergaminho perdida na pessoa desencontrada.
O rio corre sozinho.
Meu banho atrasa como a vida.
Não me encontro.
Nem meu hoje.
Nem paro.
Nem desespero.
"Hormônimo"!