sexta-feira, 11 de julho de 2008

Convite



Começou ano passado, quando conheci Juliana,
Me contou que escrevia, bordava e cozinhava
E que tinha um Blog.
Visitei e gostei. Lembrei do que há muito começava
Sem coragem de andar.
Resolvi experimentar.
Comecei aqui a postar, coisas que gostava.
Comecei a contar às pessoas, que acretidava,
pudessem também gostar.
Uma amiga animada, paciente, dedicada,
me mandou um endereço.
Arrisquei, ousei e me mostrei.
O primeiro resultado, em papel impresso, registrado
Na forma mais querida e almejada.
Um livro. Com meu nome nele inscrito e um pouco da minha alma gavinha
Compartilhada.
Feliz no conjunto. Muito bem acompanhada.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Conto do Negócio

Tudo dera absolutamente certo. Sua vida começara da maneira certa e tudo fora caminhando como esperado.
Não nascera em berço de ouro, nada disso, mas no lugar certo, na família certa, na hora certa.
Seus pais eram os que tinham dado mais certo nas suas respectivas famílias. Ambos vindos daquelas típicas famílias de classe média, com 2 irmãos mais novos. Tinham escolhido a medicina e eram felizes no que faziam. Só um erro. Não tinham conseguido se acertar juntos. Talvez por serem, cada um à sua maneira, inteligentes e voluntariosos demais. Haviam mergulhado separadamente em seus trabalhos, suas conquistas. Competiam. Não conviviam.
Até isso, de certa forma, tinha sido bom para ele. Competiam em tudo. Em lhe dar os melhores presentes, a melhor educação, o melhor incentivo, o melhor conselho…
Ele fora aproveitando o melhor de cada lado. Vendo os dois submergirem em seus trabalhos, decidiu que a medicina não lhe servia. Ele queria ter uma família que se reunisse às refeições em volta da mesa, conversando animada e degustando a vida.
A mãe cozinhava bem. Tradição de família. As avós faziam delícias dignas dos melhores restaurantes. Ele adorava sapear pela cozinha, sentindo os aromas, adivinhando os sabores, provando o paladar.
A mãe lhe dizia: escolha uma coisa que gostes de fazer. Trabalhe no que gosta e nunca vais trabalhar na vida.
Sua mente ágil não teve problemas em organizar tudo. Divertia-se tanto nos cursos de culinária como na faculdade de administração, onde a mágica dos números o encantava e tudo encaixava certinho.
Aos 21, com o diploma debaixo do braço, facilidade para as línguas e uma vontade de ganhar o mundo maior que o próprio, embarcou para a Europa. A Itália era a mãe de seus sabores, a França a sua roupagem, os países nórdicos sua resistência, os orientais sua extravagância, a África sua doçura e exotismo. As comidas, os costumes, os perfumes, as pessoas, tudo o fascinava e criava em seu espírito inspirações de sabores e combinações inusitadas. Pratos diferentes se materializavam em suas mãos e deliciavam quem os provava. Foi premiado pelo mundo todo.
Voltou e abriu seu pequeno restaurante. Ali, seus amigos, família, ilustres desconhecidos se reuniam sempre às refeições e conversavam, riam, bebiam e comiam.
O lugar estava sempre cheio, sua forma animada de atender, cozinhar e servir atraía cada vez mais clientes, que sempre saíam satisfeitos e voltavam.
Ela apareceu como representante de vinhos. Tornou-se freguesa. Almoçava todos os dias, jantava quase sempre. Conversava e contava estórias deliciosas.
Começou a fazer a diferença, já não era mais capaz de ficar com a sua ausência.
Um dia, após um jantar em que ela parecia, mais que nunca, não ter nenhuma pressa em tomar seu caminho, ele abriu um vinho, fechou as portas, apagou as luzes deixando somente as velas, sentou-se à sua frente, e num sorriso lhe disse, sincronizando com a música:
_ Não quero mais esse negócio de você longe de mim.
E certamente, a estória continuou…

San Valentino

Eram umas 7 da noite do dia 11 de junho. Véspera do dia dos namorados, antevéspera do seu aniversário, saía para levar a mãe na casa da tia e o telefone tocou: – Oi, minha amiga!!?!?? Preciso de um favor seu!?!?!?!
Precisava que fosse intérprete para um diretor italiano que, estava na cidade para dirigir uma ópera, e o levasse assistir a um coro de crianças que faria parte do espetáculo
Ela foi. Era sábado e, fora ficar com a mãe e a tia, duas velhinhas simpáticas e faladeiras, não tinha nenhum outro programa. A amiga dissera tratar-se de um homem muito charmoso. Ele era alto, aparentava uns 50 anos ou mais, cabelo grisalho meio comprido, com profundas entradas e uma espécie de franjinha, olhar um pouco cansado, mas curioso.
Sorriu simpático e parecia divertido com a experiência. Assistiu estoicamente toda a apresentação dos inúmeros corais e pretensos artistas infantis. Saiu ao final para fumar.
Começaram a conversar na rua, em frente ao teatro, e o assunto varou a noite. Música popular brasileira, italiana, poesia, teatro, rock progressivo italiano, Vinicius, Tom, Caetano, Mina, Celentano, Pino Danielle… Recitavam-se mutuamente as letras das músicas, as poesias, os trechos musicais e poéticos do teatro, dos filmes. Enquanto giravam, a cidade flutuava na neblina dos parques, dos monumentos. Pedreira, Leminski, Ópera de Arame e o guarda local espantado com os dois malucos saltando o alambrado às 2h da madrugada para colar o nariz no vidro e olhar a escuridão lá dentro. Quase morreram de susto. Personagens desconexos os três.
Ao som do Premiata Forneria Marconi, passearam nas alturas do Tanguá, olhando as águas insondáveis que subiam em névoa. Com a manhã se aproximando, caminharam ao redor de outro lago e, na ponte de madeira, ela cantou “Chega de saudade”.
O dia amanheceu azul e ela o levou para o hotel enquanto o CD repetia: “Não quero mais esse negócio de você longe de mim”. Ele conhecia a melodia e cantava num português macarrônico de vogais abertas e ausência de nasais…
Riram muito da sua desafinação musical, espantados e divertidos com a afinação mental que os entontecia levemente.
Passaram por um outdoor gigante sobre o dia dos namorados, que o estranhou. San Valentino a giugno? Pensa te!
Tomando café com a mãe um pouco depois, ela riu muito contando as peripécias da noite. O interfone tocou e o porteiro avisou a chegada de uma encomenda. Desceu para receber o enorme maço de rosas vermelhas com um poemeto italiano, numa letra ínfima quase ilegível. Lugar comum, nenhum lugar. Riu.
Ajeitou as flores que ficaram perfumando a mesa da sala vazia.
Saiu para o sol. Dia dos namorados, ópera antiga, bossa nova, teatro, poesia, a vida dançando colorida na canção popular. “Há dias que a gente se sente como quem partiu...”.